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Uma mostra da ilusão biográfica sobre Rachel de Queiroz: uma mulher através dos tempos

  • Foto do escritor: Kauane Lahr
    Kauane Lahr
  • 19 de jun. de 2018
  • 5 min de leitura

Atualizado: 25 de jan. de 2019


Rachel de Queiroz de O Quinze, do Memorial de Maria Moura, de As Três Marias. Rachel de Queiroz escritora. Rachel dizia que o impulso de escrever vinha naturalmente, assim como o impulso de cantar vinha para um cantor. Mas não é por ser natural que Rachel não achava difícil. “Escrever não é prazeroso. Escrever é cansativo e imperioso”. Se dizia melhor cozinheira que escritora. Em seu último livro publicado, O Não Me Deixes, Rachel reúne receitas que fez em sua fazenda que ficava num pedacinho de terra herdado de seus pais conhecido como “Não Me Deixes”, em Quixadá, no sertão cearense. Rachel nasceu na capital do Ceará, Fortaleza, em 17 de novembro de 1910. Filha de intelectuais devotos de Eça de Queiroz e Dostoiévski, nasceu em meio aos livros, logo, tanto a leitura quanto a escrita não eram estranhas a ela.

Seu primeiro romance, O Quinze, é sua obra-prima, a transforma na pioneira do regionalismo. Tem imensa relevância histórica e jornalística, pois trata, de forma fictícia, mas ainda com total referência a realidade, uma das maiores secas pelas quais o nordeste já passou, em 1915. Diz-se de forma fictícia pois é um romance, e pelas palavras dela “quando você escreve um romance você não pode inventar pessoas, num personagem eu boto um tique seu, outro de fulaninho. As pessoas são criações, mas a gente não inventou o ser humano.”

Na seca de 1915, Rachel foi testemunha, ainda que com apenas cinco anos de idade. Já um pouco mais crescida, em 1919, a seca desse ano também lhe serviu de memória testemunhal para escrever o livro. Por ter nascido em família abastada, conseguiam fugir da seca migrando para diferentes cidades, como Belém do Pará e Rio de Janeiro, mas sempre retornavam ao Ceará. Como de costume naquela época, a maioria das mulheres, ou “moças de família”, formavam-se professoras, e assim ela o fez. Mas não se manteve numa única carreira.

Sua perspicácia a levou para a profissão de jornalista. Um dia, Rachel enviou uma carta ao jornal O Ceará com o pseudônimo Rita de Queluz. A carta ironizava o concurso de Rainha dos Estudantes promovido na escola onde havia se formado e onde lecionava história. O jornal publicou a carta fazendo grande alarde. Rachel foi então convidada para colaborar com o jornal escrevendo um folhetim. Começou a escrever nos jornais Correio da Manhã, O Jornal, Diário da Tarde e na revista semanal O Cruzeiro, na qual passa a assinar a coluna Última Página, nome esse, pois a coluna ficava na última página da revista. Coluna essa, onde escreveu por 31 anos.

Mesmo Rachel dizendo que nunca trabalhou na redação de um jornal, e que não gostava do dia a dia jornalístico, era como jornalista que ela se via. Quando convidada a ocupar o cargo de Ministra da Educação, Rachel negou o convite dizendo que era apenas jornalista e queria continuar sendo apenas jornalista. “Eu tenho dito que me sinto mais jornalista do que ficcionista. Sempre. Na verdade, minha profissão é essa: jornalista. Há cinquenta e tantos anos que todas as semanas eu escrevo pelo menos um artigo”. Sua contribuição para a revista Cruzeiro trouxe a crítica política de uma forma excepcional. A crônica é um estilo de escrita que carrega em si suas particularidades. Aquela linha tênue entre jornalismo e literatura. Ou melhor, os dois de mãos dadas para que o leitor sinta-se mais próximo. Resgata o breve, o simples e transforma em profundo, em necessário para discutir-se. E porque as crônicas permitem esses tipos de reflexões, Rachel conseguiu impor ainda mais seu estilo insurgente e crítico nas páginas de jornais e revistas. E que independentemente de quando forem lidas, a crítica ali se mantém, viva.

Desde cedo dedicou-se a política e conservava seus ideais muito bem definidos. Primeiro, foi comunista, e ao não se contentar mais com os ideais do partido, Rachel tornou-se trotskista, pois viu nessa corrente melhores propósitos. Ambos intencionavam o socialismo, ou mesmo o comunismo, mas a forma de agir era distinta, e determinante para Rachel. “A gente tem a fase de entusiasmo, depois tem a fase de briga e depois tem a fase de horror, [...] porque eles são muito burros, é uma coisa impressionante [sobre os comunistas]”. Se declarar comunista ou trotskista na época em que Rachel de Queiroz o fez não era nada simples. Muitos intelectuais eram perseguidos e censurados. Ela mesma teve artigos seus censurados. Mas ela o fazia sem medo e procurava se desvencilhar de qualquer forma de repressão. Mais tarde, seu apoio aos militares no Golpe de 64 causou certa polêmica. O apoio surgiu da proximidade e amizade da família com o Gal. Castelo Branco.

Era muito modesta e escondia toda a sua força, de certa forma, seu poder, diante da cena social que ocupava, dizendo que tinha preguiça de escrever, que não gostava de fazê-lo. Que o fazia por puro vício ocupacional. Mas também reconhecia que era uma espécie de vocação. Nasceu para escrever, se não, teria bordado, pintado ou o que quer que fosse. Entretanto, Rachel reconhecia também a importância dos escritores. “Se há uma coisa que depende de quem escreve é a mídia, tanto a eletrônica quanto a jornalística”.

Rachel de Queiroz tem mais 25 obras publicadas entre romances, crônicas e peças de teatro. Foi a primeira mulher a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL), 80 anos depois de sua inauguração, em 1977. A ABL foi inaugurada em 1897, por Machado de Assis, o então presidente. Machado foi um dos escritores prediletos de Rachel. Essa posição colocou Rachel num pedestal ainda maior: além de ser considerada a mãe do romance regional, era mais uma vez pioneira, a primeira mulher na ABL, fato que abriu as portas da Academia para muitas outra mulheres.

Apesar de toda a sua defesa dos direitos das mulheres, de prezar e idealizar por um Brasil onde pudessem haver tantas advogadas, engenheiras e juízas como existem homens nestes cargos, Rachel detestava ser chamada de feminista. Dizia que homens e mulheres são diferentes, e mais, que na verdade os homens é que são sentimentais, idealistas e românticos e que as mulheres são realistas e pragmáticas. No meio literário, onde predominavam os homens, assim como em muitas outras profissões, muitas mulheres relatam - atualmente, encorajadas - a dificuldade de se inserir nesses meios, a opressão patriarcal. Mas Rachel dizia que nunca teve problemas com isso, muito pelo contrário, que os homens e rapazes a ajudavam muito, justamente por ser “mocinha, menininha, era muito paparicada. [...] Esse negócio de ser mulher e encontrar dificuldade é lenda. A gente é muito paparicada. [...] Eu realmente não tive calvário nenhum”. Talvez hoje, suas declarações fossem tidas como polêmicas, principalmente por correntes feministas.

Toda sua trajetória foi marcada pelo seu engajamento político e social. O Quinze é, pelas palavras de Ancelmo Gois, “um panfleto político que denuncia a tragédia social da seca do nordeste”. É inegável a contribuição que Rachel deixou para as comunidades que frequentava, tanto política, quanto literária ou jornalística. O simples fato de existir uma mulher circulando por esses espaços da esfera pública e nas páginas dos jornais na época em que ela o fez já era revolucionário. O era porque em 1930, Graciliano Ramos, mais tarde um de seus amigos mais achegados, acreditava piamente que O Quinze só poderia ter sido escrito por um homem sob o pseudônimo Rachel. Então descobriu-se que não era homem, coisa nenhuma. Era uma mulher, com seus 20 anos, testemunhando a saga da seca nordestina. Era Rachel de Queiroz jornalista. Uma cronista. Uma mulher através dos tempos.

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Por Kauane Lahr
11/06/2018
 
 
 

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