50 anos do 30º Congresso da UNE: A repressão da polícia na militância política durante o golpe
- Kauane Lahr
- 29 de jun. de 2018
- 4 min de leitura
Atualizado: 25 de jan. de 2019
Apesar da repressão, estudantes universitários do Brasil inteiro se reuniram no sul de São Paulo para lutar contra o regime militar da época.
Em 12 de outubro deste ano, um grande momento do movimento estudantil brasileiro completa 50 anos. O 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes aconteceu clandestinamente em 1968, na Fazenda Mucuru, em Ibiúna, sul do estado de São Paulo. Neste dia, cerca de mil estudantes presentes no Congresso foram presos pelos militares.
Gerônimo Wanderley Machado, professor aposentado de Economia da UFSC, atuava no movimento estudantil desde cedo e participou do Congresso, sendo um dos presos.
Qual foi a experiência de viver sob uma ditadura militar?
Gerônimo Wanderley Machado: Nós pegamos o período ruim da ditadura e que se agravou muito. A nossa preparação do Congresso foi toda clandestina, porque a UNE foi tornada ilegal, todas as entidades estudantis foram tornadas ilegais e quem se movimentava naquela época era só a juventude, especialmente a juventude universitária. Em algumas cidades a juventude estudantil secundarista também se manifestava muito. Nós chegamos a ter aqui algumas manifestações importantes, como no Instituto Estadual de Educação. Na época em que nós fazíamos muita coisa na Universidade, e a Universidade, ela era toda aqui no centro da cidade.
A Universidade em questão é a UFSC?
GWM: Sim, sim, é a UFSC. A gente quando fala em universidade é só UFSC, porque na época não existia outra. Então, nessas condições de ditadura, repressão, tudo que nós fazíamos tinha que ser clandestino, porque era tudo ilegal. Todas as manifestações coletivas e que tivesse mais de uma ou duas pessoas, era considerado ilegal. Então, nós tivemos que organizar o congresso todo clandestinamente. Aí, de qualquer modo, organizamos. Eu, particularmente, fui várias vezes a São Paulo para o que nós chamávamos de os "seminários de preparação". Aí era em São Paulo, São Carlos, era no Rio de Janeiro, em várias cidades brasileiras, sobretudo naquela região, São Paulo, Rio, Minas, e era tudo clandestino. E eu participava da direção do DCE [Diretório Central dos Estudantes] e da UCE [União Catarinense dos Estudantes]. Apesar disso tudo nós fomos preparando o Congresso clandestinamente. Daqui nós fomos em três meninas da universidade, uma de Serviço Social, a Rose; Derlei Catarina de Luca que era da Filosofia; e a Ligia, que me parece que era da Filosofia também. E oito rapazes, da economia; foi o Mota, o Munir aqui da Medicina, eu... Enfim, daqui nós fomos em onze, mas parece que no geral haviam 15 de Santa Catarina. Nós tínhamos um grupo ligado mais ao partido comunista, que era o meu grupo, e nós tínhamos a direção do DCE, levamos a maioria dos delegados, e tinha a Derlei de Luca e o Valmir Martins que faziam parte do grupo da Ação Popular, que era de esquerda também, mas era derivado, mais filiado à esquerda católica da teologia da libertação.
E como foi? Por ser clandestino, vocês conseguirem se reunir e fazerem as reuniões do partido comunista? Os militares não tinham acesso?
GWM: Sim, eles espionavam tudo, mas de qualquer modo nós achávamos meios de nos reunir. Em casa, na praia, em algumas salas, em algum bar e tal. As reuniões formais organizadas, por exemplo, quando a gente ia pra São Paulo e pro Rio, eram todas reuniões com senha, com algum tipo de código de identificação. "Tem que levar a [revista] Realidade debaixo do braço, com a capa voltada pra fora. E tu vais te encontrar com o Fulano lá no terceiro poste da subida lá da avenida do cemitério da Consolação, e a senha é: minha vó tem bicicleta. E ele vai responder: eu moro no céu." Esse era o código, então eu não podia errar isso, eu não podia errar o modo como eu deveria ser reconhecido. E nós tínhamos no máximo cinco minutos de tolerância para fechar esse contato, porque se eu chegasse lá, ou se fosse eu que estivesse esperando e o outro que ia me encontrar passou dos cinco minutos, já acabou o contato. A gente tinha medo que aparecesse um policial, que a polícia descobrisse. Então tinha que ser rápido e sem erro. Essas eram as maneiras pelas quais a gente tentava burlar a repressão pra se reunir.
Vocês ficaram presos por quanto tempo?
GWM: Acho que foi uma semana, oito dias, uma coisa assim. Nós fomos recolhidos no Congresso, fomos levados pra São Paulo, no presídio Tiradentes pra sermos processados pelo DOPS [Departamento de Ordem Política e Social], nós éramos 1200 jovens estudantes do Brasil todo. Aí fomos colocados numa cadeia junto com os presos comuns. Nós fomos colocados no segundo e terceiro piso. Mas não sei se havia um terceiro, eu fiquei no segundo. Ficamos numa sala que talvez fosse a metade disso aqui [aponta para a sala de sua casa], um terço disso aqui, ficávamos em 30, 40, 50 estudantes, né? Um vaso sanitário dentro da cela, que era uma sujeira, um mau cheiro danado, era terrível.
Porque eram estudantes?
GWM: É, éramos e estudantes e de algum modo, a gente era tratado com alguma "deferência" da polícia.
Depois de 68, como ficou a situação do trabalho, pra você e para outras pessoas depois dessa prisão?
GWM: A situação era semelhante pra todos, a diferença era: quando vinha um general, a gente já sabia, então a gente tratava de se dispersar. Quem não tivesse um emprego fixo e formal, como era o meu caso, as pessoas fugiam. O fenômeno era igual para todos, mas a maneira como cada um reagia era diferente. No meu caso, eles me recolhiam, me levavam pra delegacia e me deixavam lá, não havia tortura, nada. Houve dias em que eu ficava ali seis, oito horas. Era um chá-de-cadeira. Eu tava preso ali, eu não podia sair, "o delegado vai te entrevistar", e quando via passava dez horas e não havia entrevista coisa nenhuma. Aí eu perguntava "e aí, como é que é, vai ter entrevista?", "delegado mandou dizer que já pode ir embora, só não pode sair da cidade".
Você suspeita do motivo pelo qual eles lhe deixavam lá, tomando “chá-de-cadeira" na delegacia?
GWM: Não, eles nunca davam explicações nem motivo. Nós só desconfiávamos das razões, mas eles formalmente nunca davam nenhum motivo, como nunca deram.
Reportagem: Kauane Lahr
Edição: Edgar R. Fuck

Comments