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Úteros Violados

  • Foto do escritor: Kauane Lahr
    Kauane Lahr
  • 12 de nov. de 2017
  • 2 min de leitura

Imagem: Agência Brasil

Doía no fundo do peito. E doía mais para cima, na cabeça que latejava. Doía o peito e doía mais para baixo, no útero, precisamente; outrora violado. Uma vida que se iniciava dentro de outra vida que iniciara não havia muito. Uma década, precisamente.

Pode-se dizer, infelizmente, que temos um plural. São úteros. Úteros ainda não formados. Úteros com menos de uma década, precisamente. Infâncias roubadas. Uma a cada 13 horas, precisamente. Seja uma década ou uma e meia, vidas que representam cerca de 28 por cento da população da Índia. O segundo país mais populoso do mundo que mais mata crianças do sexo feminino.

Dói. Caso de menina grávida após estupro aos 10 anos comove Índia. Ainda dói. Justiça impediu que criança fizesse um aborto. Criança. Grávida.

Caso isolado na Índia? Não. Causa mundial.

Um dos casos. Sim, são vários. Uma a cada 11 minutos, precisamente. Crianças, ou úteros já desenvolvidos. Úteros que pertencem às mulheres. E cada útero pertence a um corpo e cada corpo a uma mulher. E cada um sabe de si. Pelo menos deveria.

Mulheres. Saúde. Homens. Congresso. Religião.

É assim que se discute no Brasil. A terra que os portugueses pensaram ser a Índia, quando chegaram por aqui em 1500. Não difere tanto. Uma mulher é estuprada a cada 11 minutos no Brasil.

Não difere.

Na última quarta-feira (8), uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou a PEC 181/15, que interfere na interpretação de todas as leis e portarias que autorizam o abortamento legal no Brasil. Uma comissão formada majoritariamente por homens. Uma comissão decidindo o futuro das mulheres, assim como a justiça decidiu pela menina indiana de dez anos. A menina violentada.

Alterou-se o texto, no capítulo I do Artigo 5º, que trata do direitos e deveres individuais e coletivos. No trecho que fala da garantia da “inviolabilidade do direito à vida” acrescentou-se “desde a concepção”.

Essa alteração põe em risco a descriminalização do aborto, que hoje é legalmente permitido em casos de anencefalia do feto; gravidez advinda de estupro, como no caso da menina indiana; de riscos à saúde da gestante, como da menina indiana. Essa alteração põe em risco a vida das mulheres. Essa alteração não diminuirá os casos de aborto. Ela apenas negligencia o direito das mulheres de decidirem por si mesmas. Negligencia o direito das mulheres de viver. Sem complicações. Sem conviver com o abuso, com a lembrança diária da violação de seu corpo. Essa alteração é um segundo estupro.

Doía.

Ainda dói.

Eu não quero que doa mais.




Por Kauane Lahr

12/11/2017

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